Churrasco, sinuca, ventilador e celulares: com mordomias, preso em Caruaru comanda quadrilha em cidade do interior de São Paulo

A mais de dois mil quilômetros de distância, Richard Guilherme organiza crimes no município de Cruzeiro, segundo investigação da Polícia Federal. Governo de PE transferiu o detento.
  

Extorsão, venda de armas e munições, indícios da prática de homicídios e lavagem de dinheiro. Esses são os crimes que, segundo a Polícia Federal (PF), são controlados na cidade de Cruzeiro, em São Paulo, por um detento a mais de dois mil quilômetros de distância, em uma penitenciária em Caruaru, no Agreste de Pernambuco, onde ele tem uma série de regalias e mordomias.

Richard Guilherme, de 24 anos, foi preso em 2021, quando morava em Garanhuns, também no Agreste pernambucano, após a polícia encontrar drogas em um sítio ligado a ele na cidade de Cruzeiro.

Localizado no interior paulista, o município de Cruzeiro é considerado um ponto estratégico para o tráfico de drogas, pois fica perto da divisa de São Paulo com os estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.

No entanto, de acordo com a PF, a prisão em Caruaru não impediu Richard de continuar cometendo crimes em Cruzeiro. Conversas e imagens interceptadas pela polícia mostram que, mesmo preso, ele dava comandos e fazia ameaças por celular.

Mordomias

A penitenciária em que Richard Guilherme estava preso tem condições consideradas péssimas pelo Conselho Nacional de Justiça. Com capacidade para 770 detentos, ela abriga mais que o dobro disso: 1.889 presos.

Mesmo com as condições precárias na prisão, Richard vivia uma vida confortável, com acesso a celular, smart TV, ventiladores e carnes caras para churrasco, como angus, que custa cerca de R$ 200.

Dentro da cadeia, ele fazia vídeos, tirava selfies e mantinha contato com a família, que atendia aos pedidos dele, como uma assistência técnica para o celular. As investigações iniciaram em agosto de 2022. Segundo a PF, nove meses depois, a quadrilha também foi presa, incluindo os parentes de Richard.

"Efetuamos a prisão de 28 pessoas associadas a ele. [...] Inclusive prendemos a mãe, esposa, o irmão, o tio, a cunhada...a família inteira, né?", disse o delegado João Paulo.

Os efeitos das prisões foram notados pela PF. Segundo o delegado, o município de Cruzeiro ficou quase 90 dias sem registro de homicídios consumados. Mas, ainda de acordo com João Paulo, Richard procurou outras formas de compensar a perda financeira que teve após as prisões.

Crime a distância

"Extorsões, venda de armas, venda de munições, indícios da prática de homicídios, lavagem de dinheiro. Então, toda sorte de delitos está sendo praticada por essa organização e continuava sendo praticada, sob a coordenação dele, mesmo dentro do sistema penitenciário", afirmou João Paulo.

Segundo as investigações, Richard também intimidava as vítimas mesmo dentro da cadeia e ensinava outros participantes da quadrilha a extorquir.

"Fala assim: aqui é a milícia da 012 e pararapararará e aí tem que estar com as fotos da família do cara, endereço, foto de filho, mulher, peça [arma], tudo, tá ligado?", disse Richard em uma das conversas recuperadas pela polícia.

O criminoso montava um vídeo, tirado da internet, com pessoas aleatórias segurando armas e narrava com própria voz, ameaçando as vítimas citando seus nomes.

"Gravava uma mensagem violenta ameaçadora e que, se não depositasse no Pix que ele encaminhasse, a família toda dele seria morta", afirmou João Paulo. Em uma das ameaças, Richard tentava extorquir R$ 50 mil de um comerciante.

"Aê, melhor fechar o acerto do bagulho com 'nóis', senão vai morrer, arrombado", disse Richard no áudio enviado à vítima. Na ocasião, ele ainda enviou duas pessoas para atirarem na loja da vítima.

Transferência

Após o contato da TV Globo com o Governo de Pernambuco, Richard Guilherme foi transferido de penitenciária. Para o secretário nacional de Políticas Penais, Rafael Velasco, novos protocolos são necessários para acabar com o acesso fácil de detentos a itens perigosos.

"O que a gente vai fazer junto com o governo do estado é aplicar novos protocolos, novos procedimentos para regularizar o sistema penitenciário não tão somente do Pernambuco, mas do Brasil. É um regime de disciplina dentro do sistema penitenciário. E não um local só para eles poderem permanecer assistindo televisão, jogando bilhar e cortando carne para poder fazer churrasco. Isso está errado", disse Rafael.

A reportagem também identificou que, além de Richard, outros dois detentos da Penitenciária Juiz Plácido de Souza comandavam atos criminosos, como extorsão e homicídio.

Segundo Lucinha Mota, secretária de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, responsável pelos presídios do estado, medidas começaram a ser adotadas para combater o crime dentro das prisões.

"Não posso dizer a você que nós vamos combater da noite para o dia, mas eu posso afirmar que é possível, sim, reverter essas práticas ilícitas. E nós já iniciamos, iniciamos esse trabalho com parceria com o governo federal", afirmou a secretária.

Ao responder sobre a situação das penitenciárias do estado, Lucinha, que assumiu o cargo em janeiro deste ano, também disse que Pernambuco enfrenta um problema grave no sistema carcerário e que a solução demanda tempo.

"Nós recebemos um estado, um sistema, em calamidade e, para resolver esse problema, a gente precisa de mais tempo, porque isso carece de ampliarmos as unidades. Nós temos obras que foram abandonadas desde 2015. Nós temos um déficit aí, carcerário, de quase 17 mil vagas, então isso é muito grave, como também um número déficit dos policiais penais", afirmou.

Texto: Bruno Fontes, TV Globo  Foto: Reprodução/TV Globo

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